Biografia de Fernando de Lacerda, o Médium Português

 

 

A Associação Espírita de Alverca vem prestar homenagem a este grande irmão, neste dia em que comemoramos o dia do seu nascimento.

Fernando Augusto de Lacerda e Melo nasceu em Loures no dia 6 de Agosto de 1865, sendo o mais velho de doze irmãos. Aos 13 anos foi estudar para Lisboa, tendo ficado ao cuidado do seu tio paterno Joaquim Ciríaco, em casa de quem morou até aos 19, altura em que regressou a Loures. Corria o ano de 1884. A sua mãe, entretanto, já tinha falecido e Fernando dedicou-se a ajudar o pai a criar os seus irmãos mais novos.

Mas, como jovem ativo que era, pouco depois embrenhou-se no projeto de fundar os Bombeiros Voluntários de Loures. E, se bem o pensou, melhor o fez, e em 29 de Junho de 1887 é inaugurada a corporação, tendo por comandante o próprio Fernando de Lacerda.

“Presença agradável, voz calorosa e insinuante, extremamente simpático, dotado de uma atividade constante, com ar galhofeiro e um eterno sorriso, cativa logo quem com ele trata porque se vê naqueles olhos traquinas um fundo de alma cheio de bondade e de amor (…)”, eis aqui como é descrito pelo “Jornal do Bombeiro” da sua corporação, na edição de 15/02/1890.

Em 1893, nove anos após ter deixado Lisboa, regressa à capital e entra para a Polícia Administrativa do Governo Civil, onde vai subindo na cadeia hierárquica até atingir o posto de sub-inspector.

Em 1899, herda do seu tio a “Fábrica a vapor de Baguetes e Galerias”, situada na Costa do Castelo e mais tarde transferida para o Largo do Intendente, tornando-se assim comerciante, mas continuando a manter o seu posto na Polícia Administrativa.

Aos 34 anos, ou seja, em 1899, começou a despontar nele a Psicografia, enquanto recuperava a fé perdida na adolescência e que começava a ser consciente de que há vida depois da morte.

Grande parte do apoio que teve para o desenvolvimento da sua mediunidade ficou a dever-se a um íntimo amigo seu, o Dr. José Alberto de Sousa Couto, espírita e advogado de nomeada. Embora a sua mediunidade tenha começado pela Psicografia, também se desenvolveu nas áreas da clariaudiência, da vidência, da cura e da Psicografia especular (mensagem que só pode ser lida através de um espelho, por estar escrita ao contrário).

Dos espíritos que se manifestaram por seu intermédio, os que causaram maior impacto na sociedade da época foram Heliodoro Salgado, Eça de Queiroz, João de Deus, Júlio Diniz, Napoleão, Augusto de Castilho, Victor Hugo, Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco. O facto foi comentado pelos jornais da época, entre eles o “Jornal da Noite”, na edição de 23/11/1906:

“ (…) F.L., conversando despreocupadamente com os amigos, falando normalmente e respondendo-lhe acertadamente, sente uma necessidade imperiosa de escrever, e num estado psicológico especial, continuando a conversar – bem dentro da sua personalidade – deixa o seu braço armado de lápis fazer o que quiser, e recebe comunicações espantosas.”

Se havia quem questionasse a veracidade das faculdades mediúnicas, embora sem pôr em causa o carácter do médium, havia quem troçasse e criticasse, o que o entristecia e desanimava. Mas tinha nos próprios espíritos o consolo, a força e a ajuda de que precisava. E, do lado de cá, tinha no seu amigo Sousa Couto um sólido apoio.

Recebia tantas mensagens e tantas missivas, que começou a pensar reunir tudo num livro. (Não esqueçamos que a grande missão de Fernando de Lacerda foi justamente a da divulgação da comunicação e da sobrevivência da alma!)

Em 1908 e após dois anos de trabalho, o livro foi finalmente publicado.

Várias personalidades da época, entre elas Teófilo Braga, teceram diversos comentários sobre a obra, que rapidamente se tornou num “best-seller”. Foi tamanho o sucesso que, imediatamente, foi publicado o 2º volume. Mas o mais curioso é que, embora o livro fosse o mais vendido de então, poucos eram os que gostavam de afirmar que o tinham lido… e neste aspeto podemos dizer que nem parece terem passado 100 anos!…

Estes primeiros dois volumes tiveram igualmente uma enorme repercussão no Brasil, pois também lá se esgotaram rapidamente.

Entretanto, a partir deste mesmo ano de 1908, o médium começou a ser ferozmente perseguido pelo partido republicano, com diversos ataques e calunias.

Em Portugal vivia-se uma época turbulenta, em termos políticos, com o descontentamento popular a aumentar a cada dia mais, até que em 5 de Outubro de 1910, o povo de Lisboa levanta-se em armas, depõe a monarquia, e implanta a República no país. A partir dessa altura, a população em geral começou a dar ouvidos às crenças materialistas e ateístas pregadas pelos republicanos.

A posição do médium tornava-se cada vez mais difícil, pois era de todos conhecida a sua fé fervorosa e a sua ligação à espiritualidade. Assim, e animado por um seu amigo, administrador da livraria da Federação Espírita Brasileira, com quem trocava assídua correspondência, começou a pensar em emigrar para o Brasil.

Porem, antes, ainda publicou o 3º volume do “Do País da Luz”.

Em 10 de Julho de 1911 deixa Lisboa no navio Astúrias, rumo ao país irmão, com o coração cheio de tristeza por se separar de sua família, dos amigos, e da sua terra natal. Com ele não levava nenhum dinheiro, nem sequer a certeza de que iria conseguir recomeçar… apenas o acompanhavam a fé e a ajuda dos espíritos, que nunca o traíram nem o abandonaram.

Chegou ao Rio de Janeiro 13 dias mais tarde, a 23 de Julho de 1911. Prestes a fazer 46 anos, uma nova vida estava à sua espera…

Quando chegou ao Rio de Janeiro, Fernando de Lacerda alugou um quarto numa casa para solteiros, e começou a participar ativamente nas reuniões e tarefas da Federação Espírita Brasileira.

No entanto, precisava de arranjar um ganha-pão, e este não seria a edição dos livros que levara, pois se estes algum dinheiro rendessem, seria para ajudar aos necessitados e não para gastar consigo próprio. É que ele punha sempre em prática o “dai de graça, o que de graça recebestes” que Jesus nos ensinou…

Foi-lhe proporcionado trabalhar na Polícia do Rio de Janeiro com o mesmo cargo, as mesmas regalias e até melhor ordenado, do que tinha em Lisboa, no entanto era imprescindível que se naturalizasse como brasileiro. Mas a alma lusitana corria-lhe nas veias, e nem a magoa nem a tristeza da incompreensão do seu país, o fez desistir de ser português, pelo que permaneceu desempregado durante algum tempo.

Deus manifesta-se de várias formas e, em muitas situações, fá-lo por intermédio dos nossos amigos… além dos que se manifestavam do “lado de lá”, dando apoio e procurando levantar-lhe o moral, os do “lado de cá” também serviam de instrumentos da vontade do Pai. O Dr. Fernando de Moura, o amigo que o recebeu no Brasil, fez-lhe uma venda fictícia de dois prédios na Praia do Flamengo, para que tirasse o seu sustento do arrendamento destes e deixasse de se sentir humilhado pela situação de dependência em que até aí vivia. Fernando de Lacerda ali residiu até ao seu desencarne.

As mensagens que recebia dos amigos espirituais nunca pararam e continuavam a provar a imortalidade da alma.

Agora, eram editadas nos jornais brasileiros da época e causavam o mesmo furor que tinham causado na sociedade portuguesa, antes da República, como por exemplo, as mensagens de Antero de Quental e de Camilo Castelo Branco sobre a problemática do suicídio, que foram publicadas no jornal “Imparcial” do Rio de Janeiro, em 7 de Março de 1912.

O simples facto de terem sido publicadas em jornais, fez com que muitos encarnados e desencarnados fossem amparados nos meses seguintes. Nas reuniões mediúnicas manifestaram-se espíritos suicidas que, curiosamente, na última existência tinham vivido em Portugal, sobretudo em Lisboa. Era a lei da afinidade em ação…

Os anos foram passando e a data do regresso à pátria espiritual aproximava-se.

Ainda sonhava em voltar a Portugal, não para viver, pois o “seu” Portugal já não existia, mas para rever os amigos e abraçar a família, sobretudo os afilhados. Um deles, Fernando, emigrou para o Rio de Janeiro e, por intermédio do mesmo amigo que o tinha ajudado a ele, começou a trabalhar numa Companhia de Seguros. E estava tudo tratado para que a sua afilhada Laura também fosse ter com ele ao Brasil e aí ficar a trabalhar.

Contudo, este projeto não se concretizou… pouco depois da chegada do afilhado, o médium começou com uma profunda depressão e as forças que outrora, em alturas terrivelmente difíceis, o tinham sustentado, caíram por terra. Estando agora mais desafogado materialmente, queria comprar tudo – talvez como um meio de compensar a miséria porque tinha passado – e o afilhado teve, mais do que nunca, que o amparar. A somar a tudo isto, apareceu-lhe uma hérnia estrangulada, que lhe foi fatal.

Naquela época – 1918 – se uma hérnia rebentasse, a operação era um risco; mas não havia alternativa e, assim, foi operado de urgência; porem, após a operação, surgiu uma infeção que primeiro o deixou paralisado e depois provocou o seu desencarne, no dia 6 de Agosto.

E assim partiu, rumo ao “País da Luz” e ao merecido descanso, o grande médium português Fernando de Lacerda.

Os seus restos mortais vieram para a sua terra amada, aquando de uma visita de Laura e da família ao Brasil, a qual, ao regressar, fez questão de cumprir o desejo do seu padrinho: voltar a Portugal!

E o 4º volume do “Do País da Luz, Zêus Wantuil, no número da Revista Espírita de Agosto de 1968, diz que “ (…) um amigo de Fernando de Lacerda retomou, posteriormente, os originais que o médium deixara, já em grande parte extraviados, e editou o IV da maravilha da obra “Do País da Luz”, em 1926, com o apoio da F.E.B. curiosamente – ou não – o prefácio é do próprio Lacerda, agora como espírito.

Depois de desencarnado, há poucas mensagens dele que sejam conhecidas, no entanto, toda a sua obra, a título de escrivão dos espíritos, está aí… estudemo-la, comparemos os poemas e os escritos dos autores espirituais, enquanto estavam no corpo físico, com os que ele recebeu… e lembremo-nos de que a sua missão foi exatamente essa: dar provas da imortalidade da alma!

Fonte: Revista Verdade e Luz nº 2 e 3.